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Beata Maria de Araújo

Presidente de Honra

Maria Madalena do Espírito Santo de Araújo, mais conhecida como Beata Maria de Araújo, é um dos pilares sobre os quais se ergue a história de Juazeiro do Norte. Nascida em 1862, no pequeno povoado de Juazeiro, situado ao sul da então província Ceará, poderia ter sido mais uma Maria como tantas outras: órfã, negra, analfabeta e descendente de ex-escravizados, trabalhava como lavadeira, costureira, realizava serviços domésticos em casas de família, fiava, vendia doces e bolos. Contudo, por ser uma jovem muito religiosa e piedosa recebeu o manto de beata junto com outras mulheres, após um retiro espiritual conduzido pelo Padre Cícero no ano de 1885, quando fez votos de obediência, pobreza e castidade.

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A vida de Maria Araújo, do Padre Cícero e de Juazeiro seguiam o mesmo curso de tantos lugarejos interioranos deste país até a madrugada do dia 1° de março de 1889. Reunido com fiéis para pedir a Deus que abrandasse a seca que se avizinhava, Padre Cícero celebrava uma missa em honra ao Sagrado Coração de Jesus. Ao receber a hóstia, a Beata entrou em êxtase e não conseguiu degluti-la, pois a partícula havia se transformado em sangue.

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Embora a história tenha convencionado 1889 como sendo o ano em que teve início a ocorrência dos milagres, diversas fontes sugerem que, na realidade, a data acima mencionada, que coincide com o início da quaresma, teria sido escolhida para publicizar fatos que já ocorriam há tempos. Os milagres de Juazeiro se repetiram dezenas de vezes, e a teofania sertaneja alcançou enorme repercussão. O lugarejo passa a ser considerado pelos fiéis como uma terra santa, e os milagres foram interpretados como sinal da aproximação do juízo final. A Beata e o Padre passam a ser cultuados como santos pelo povo que afluía a Juazeiro – era a Nova Jerusalém que se erguia no interior do Ceará pelas mãos dos romeiros e devotos.

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Os milagres se produziram por meio do seu corpo. Uma mulher negra, pobre, sem instrução e mística estava sendo usada como instrumento divino para a realização de uma Segunda Redenção no interior do Nordeste, em pleno século XIX, no âmbito do contexto de romanização do catolicismo brasileiro.

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As autoridades eclesiásticas agiram de modo contumaz e violento. O que acontecia em Juazeiro era uma heresia a ser negada, combatida e silenciada, e o resultado da ação da igreja católica foi a negação tanto dos milagres e de suas implicações teológicas, quanto da santificação do Padre e da Beata, assim como das romarias e da religiosidade vivenciada pelo povo.

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O peso da mão androcêntrica se fez sentir muito fortemente sobre Maria de Araújo, que foi obrigada a ficar reclusa, isolada e a silenciar sobre os milagres. Sua potência mística foi vilipendiada, e seu papel nos chamados fatos de Juazeiro acabou sendo reduzido à de histérica, impostora e fanática. A Beata morreu em 1914, apagada da história, sem direito nem à dignidade no descanso eterno, já que seu túmulo foi violado e não se sabe o destino de seus despojos mortais.

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Durante mais de setenta anos, Maria de Araújo ficou circunscrita aos rodapés da história de Juazeiro, que findou sendo inscrita em torno do Padre Cícero e da centralidade da presença da Igreja Católica. Esse cenário começou a ser modificado em 1988, com a realização do II Simpósio Internacional Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, cuja tema foi “Juazeiro do Padre Cícero e a beata Maria de Araújo: um contexto de milagre”. Dez anos depois tem início a produção de uma série de estudos realizados por mulheres acadêmicas a respeito da temática.

Associado a esse interesse acadêmico, grupos associados a movimentos sociais têm se organizado no sentido de produzir uma memória da Beata considerando tanto a sua mística religiosa quanto a sua dimensão de símbolo associado a questões de gênero, dos direitos humanos e da consciência negra e indígena no Cariri cearense.


 

Dra. Renata Marinho Paz

Professora Associada do Departamento de Ciências Sociais

Universidade Regional do Cariri

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